Cheguei e a distribuição dos doentes já estava feita. Foi-me atribuída uma senhora que tinha dado entrada no serviço na véspera. Fui consultar os registos e não havia lá quase nada sobre ela. Uma senhora já na casa dos 80, com uma prótese na anca que tinha dado entrada por uma infecção na pele e já tinha começado o antibiótico há 1 dia. A minha função seria fazer uma nota de entrada da senhora, ou seja, perguntar-lhe o nome completo, a idade, se sabe em que ano estamos e onde está, se vive sozinha, se é autónoma nas actividades da vida diária, se tem algum antecedente pessoal relevante, qual a medicação que faz habitualmente, porque é que deu entrada nas urgências, pedir-lhe para descrever tudo o que sentia ao pormenor, e por fim avaliar como é que ela se sentia hoje. Fazer um exame completo, passando pelos olhos, língua, coração, pulmões, barriga, pernas, pressão arterial, frequência cardíaca, temperatura, saturação de oxigénio, tudo direitinho para que não falte nada. Tem sido o meu dia-a-dia ultimamente, começa a ficar sistematizado na minha cabecinha e começo a sentir-me relativamente confiante a fazê-lo.
Entrei no quarto e cumprimentei a senhora.
Jo: Bom dia Dona MR.
D. MR: Bom dia.
Jo: Como é que se sente.
D. MR: Melhor, melhor… quero é ir-me embora daqui! Pode chamar o meu médico?
Jo (com o ar mais confiante que consegue fazer e com um sorriso agradável): Hoje vou ser eu a sua médica.
D. MR olha-me de cima a baixo: HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA (pára. Faz um ar de pânico) A sério?
Jo (novamente com o ar mais confiante possível mas com a auto-estima a rasar o chão): A sério! Vou fazer-lhe algumas perguntas e fazer-lhe um exame completo, pode ser?
D. MR (com aquele ar de “só me saem destas”): Vá, faça lá…
Mas aquilo até nem correu mal. No final já estávamos grandes amigas e já merecia o tratamento de doutora. Foi só ver-me a sair e a entrar no quarto novamente com uma seringa na mão e passei logo a ter outro estatuto.
D. MR: Ai doutora doutora, que eu detesto picas.
Jo: Nem vai sentir nada, vai ver (mentira, eu sei que aquilo dói que se farta, mas se lhe dissesse isso acho que a senhora fugia).
Não doeu quase nada.
D. MR: Obrigada pela atenção doutora.
Jo (já com alguma auto-estima): Ora essa, de nada dona MR.
Nota: A partir de agora vou começar a ir para o hospital maquilhada, de saltos altos e de cabelo arranjado. É que para os rapazes isto é fácil! Deixam crescer a barba e de repente já parecem figuras de autoridade. Agora eu, não há maneira de tirar a minha cara de 21 aninhos!
1 comentário:
Mas no fim de tudo, chamou ou não chamou doutora?
CHAMOU SIM SENHOR!!!!!!!
ÉS A MAIOR!!!!
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