quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

De repente

De repente sou médica no hospital onde durante 6 anos fui aluna.
De repente tenho um contrato de trabalho para assinar, tenho de pensar se quero descontar para a ADSE.
De repente o exame que parecia um bicho de sete cabeças foi mesmo um bicho de sete cabeças e não correu bem mas deve servir para aquelas que são as minhas hipóteses.
De repente há todo um novo conjunto de incertezas quanto a especialidades e ao tipo de vida que quero ter. E voltam dúvidas antigas, que achava que já estavam mais que resolvidas. Dar ouvidos ao que toda a gente tem a dizer sobre o que seria melhor para mim é por um lado produtivo porque me faz repensar algumas coisas, mas por outro lado faz uma espécie de salada de frutas dentro da minha cabeça.

De repente falta um ano para ter de escolher a especialidade.

De repente sou médica a sério.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A uma semana

Quando tinha 17 anos e não consegui entrar em medicina vi-me forçada a abrir horizontes. Não queria ficar novamente com uma média de 18 pendurada sem vaga para mim. E a hipótese que me pareceu mais lógica foi Espanha. Era aqui ao lado e entre ir para Badajoz ou para o Minho ou Madeira a diferença não era muita.
Inscrevi-me num curso de Espanhol, tratei dos processos de candidatura, de todas as equivalências e das traduções oficiais dos documentos.
Depois soube de uma outra hipótese. Uma universidade privada em Espanha também, a Universidade de Navarra. A distância era maior (implicava ir de avião e só faziam um voo para lá por semana, o que significava que não poderia vir cá com a frequência que queria). Falei com os meus pais e eles disseram-me que devia tentar. Mas havia um problema: para Navarra as minhas notas de cá só não chegavam. Teria de fazer um exame de admissão na universidade. O exame era dali a um mês, englobava as matérias de química, biologia e espanhol do 12º ano. Os programas eram diferentes dos de cá, mas mesmo que fossem iguais não faria grande diferença porque a minha disciplina opcional de 12º tinha sido psicologia.
Achei que a hipótese de conseguir era remota (estaria a competir com pessoas de língua nativa espanhola, dado que o exame era igual para todos, e que efectivamente tinham estudado aquelas disciplinas a sério). Mas tinha de tentar. Não queria cair no erro de pôr novamente os ovos todos no mesmo saco.
Pedi os livros espanhóis emprestados a uma amiga mais velha que tinha tentado fazer os exames uns anos antes. E entre pedir, encontrar-me com ela e tratar de todas as papeladas que precisava para esta outra Universidade lá se perdeu uma semana. O programa tinha mudado ligeiramente desde que a S. tinha tentado fazer os exames de Espanha, mas achei que se soubesse aquilo já não era nada mau. Uma semana para biologia, duas para química. O Espanhol estudava-se enquanto se lia química e biologia em espanhol. Não dava para mais. Ainda li os dois últimos capítulos de química no avião.
No dia do exame éramos centenas. Não haveria vagas para todos. Talvez para um em cada dez. Não mais do que isso. E era assustador olhar à minha volta e ver tantos "adversários". Entrei na sala e agora que penso nisso não faço ideia de quanto tempo duraram os exames. Fi-los com a certeza de que havia coisas que tinha lido e das quais não me recordava. E quando cheguei ao exame de Espanhol tive de me conter para não me desmanchar a rir. Como é que eu podia sequer pensar em competir com alunos espanhóis numa prova de língua???
Semanas depois, o meu pai veio ter comigo de lágrimas nos olhos, tão feliz! Tinha ido ver ao site da universidade e as colocações tinham sido lançadas. Eu tinha entrado.
Com 18 anos consegui engolir os nervos, estudar até ao último segundo e fazer um exame para o qual não me sentia devidamente preparada. E no final até correu bem. Hoje, 6 anos e meio depois de ter escolhido ficar em Portugal e a uma semana daquele que será, segundo dizem, o exame mais difícil de toda a minha carreira médica, só espero conseguir fazer o mesmo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Daqueles dias


Tenho-me aguentado bem. À tona da água. Tenho sobrevivido à maratona de estudo que tem sido este último ano (sim, já estou a estudar há um ano para este exame). E quando digo isto a alguém a resposta é sempre uma variante de um encolher de ombros acompanhado por um sorriso encorajador que me diz "vais ter uma ganda nota, já sabes tudo". Como se qualquer preocupação minha fosse desprovida de qualquer fundamento. 
Não sei tudo. Estou longe de saber tudo. E quem está de fora não percebe, por mais que tente, que apesar de estar a estudar há um ano para isto não tenho sequer garantias de me conseguir manter à tona da água. Porque este não é um exame normal. De todo! Por exemplo, num exame normal se estiverem indecisos entre duas alíneas têm 50% de probabilidade de acertar, certo? Pois neste têm 90% de errar. Ou eu tenho. Foi assim que me aconteceu quando ontem decidi fazer o exame de há dois anos. Se calhar o problema é meu e não do exame. Deu-me agora para a burrice. Ou para a extrema falta de sorte.
Há dias assim. Em que me apetece esquecer isto tudo. Eu sou tão feliz no sofá a namorar e a ver umas séries. Ou a viajar. Bolas, sou tão feliz só no ginásio a fazer uma aulita de zumba. E quando consigo combinar coisas com os meus amigos... nem precisa de ser nada de especial. Na realidade sou feliz com pequenos momentos de estupidez. 
Há dias em que me pergunto o porquê deste esforço se, feitas as contas, talvez não faça assim tanta diferença no final. O porquê de sentir necessidade de provar a mim própria (e aos outros) que consigo mais, que consigo melhor.
Mas depois passa. Tem de passar. E amanhã já é outro dia. E já só ficam a faltar 37 dias para eu ter a minha vida de volta.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Do concerto de ontem

Ontem fui ao concerto do Anselmo Ralph às Festas do Mar.
Já não me lembro quando foi o último ano em que não fui ao último dia destas festas. E por isso mesmo, apesar de não ser a maior fã do Anselmo, acabei por ir pelo convívio, pelo fogo de artifício (que adoro), e já agora porque a cavalo dado não se olha o dente (porque pagar para ir ver o Anselmo Ralph já me custava, mas assim de graça pareceu-me bem).
Chegámos em cima da hora do concerto e o grupo acabou por se separar no meio da multidão. Nunca tinha visto a baía assim. Nada que não estivessemos já à espera. Tinha-se antecipado que lá estivessem 90.000 pessoas. Não deve ter andado longe disso.
Tinha lido sobre o "meet", e por isso estava alerta. O concerto foi bom, não me senti minimamente insegura enquanto lá estive (senti-me como uma sardinha em lata, mas segura) e tive o bom senso de me pôr a andar dali para fora quando comecei a achar que os ânimos se estavam a exaltar e que podiam começar a haver problemas. À saída da baía cruzámo-nos com a polícia de intervenção (havia MUITA polícia nas festas, ao contrário do que já ouvi nas notícias) e acabámos por decidir ir mesmo para casa ainda antes do fogo de artifício por precaução.
Agora vamos àquilo que me impressionou verdadeiramente. Não foi o facto de a baía estar tão cheia (já sabia, foi noticiado a semana toda que esperavam 90.000 pessoas). Não foi o  terem havido desacatos e ter havido pessoal a levar facadas (já sabia que ia acontecer. Aliás, assim que estacionámos o carro disse ao Namorado que teria sido um dia excelente para fazer urgência de cirurgia no Hospital de Cascais porque de certeza que ia haver muita coisa para fazer, inclusivé facadas. Não me enganei).
Aquilo que me surpreendeu foi a quantidade de crianças que lá estavam. E quando digo crianças não estou a falar das miúdas e dos miúdos de 13 anos que acham que já são crescidos e que vão sair à noite ao concerto sozinhos. Estou a falar de crianças pequenas. Bebés. 2 anos. 3 anos. Até passou uma senhora à minha frente no meio da confusão com um bebé ao colo que não teria mais de 3 meses. A minha pergunta é: O que é que passa na cabeça destes pais? O que é que leva adultos teoricamente responsáveis a levarem bebés de colo a um concerto com 90.000 pessoas onde se prevê que venha a haver confusão? Ainda por cima a furarem entre a multidão com miúdos ao colo! Que eles queiram ir e não se importem de arriscar eu percebo. Eu fiz o mesmo. Acreditei (talvez ingenuamente) que por estar "em casa" saberia sempre como me desenrascar se as coisas dessem para o torto. Mas jamais levaria uma criança comigo. Muito menos um bebé.
Há gente louca. E que bate a pontos os tipos do "meet".

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

"Obrigada"

É de graça

quinta-feira, 31 de julho de 2014

É preciso ter uma lata assim a atirar para o tamanho de um garrafão

Estava eu a estudar (qualquer post que eu escreva até  Novembro poderá ter este início), quando recebi uma mensagem da irmã de um amigo meu.
- Olá Princesa! Estás boa?
Estranhei. Basicamente falamos 1 vez por ano, nos aniversários do I. A rapariga é simpática e efectivamente até já nos cruzámos no hospital, ela como doente, e por ser irmã do I. acabei por ir lá visitá-la algumas vezes (dado que tinha doentes meus no quarto ao lado e era até quase mal educado não ir lá).
Respondi que sim, que estava tudo bem, e perguntei-lhe como estava.
- Tudo óptimo! Já sei que somos vizinhas agora! Estou a morar ali ao pé daquele-sítio-que-é-mesmo-ao-pé-da-minha-casa-e-que-não-interessa-agora-para-a-história.
Disse-lhe que já sabia, que o I. já me tinha dito, e perguntei-lhe se estava a gostar da casa nova.
- Muito mesmo! A ver se vamos beber um refresco um dia destes. E assim ficas a conhecer a nossa casa:)
Estranhei ainda mais. Conhecer a casa? Mas porquê? Não conheço a casa do I. sequer... Comecei logo a pensar no tempo de estudo que ia perder. Ir a casa dela... Para quê? A parte do refresco ainda podia ser assim rapidinho. À hora do lanche iamos ao café-que-há-ali-ao-pé-da-casa-dela e tratava-se disso. Agora... Ir a casa? Conhecer a casa? Ficar no sofá à conversa sobre temas banais (porque é o que se pode falar com uma pessoa com quem estás 1 vez por ano num jantar) enquanto podia (e devia) estar a estudar?
Eu faço as minhas pausas, claro. Ainda agora estou a fazer uma para escrever este post, mas gosto de as fazer com actividades que me dêem efectivamente algum prazer. Ir a casa das pessoas de quem realmente gosto.
- Linda, eu sei que até parece mal, mas quero fazer-te um pedido, podes dizer não na boa, não levo a mal de todo... Podes passar um atestado ao meu marido para tirar a carta de mota? Temos o impresso.
Sorri. Menos mau. Assim custa-me menos nunca marcar essa visita à casa nova. Não. Não passo. Claro que não passo. A começar, porque não posso. Não tenho autonomia para passar atestados, receitas ou o que quer que seja durante 2 anos. E depois, também não me apetece. É preciso ter cá uma lata...
Quem me conhece sabe que ajudo sempre no que posso, que estou disponível para ajudar com tudo o que esteja dentro das minhas capacidades e limitações.
Agora... que raio de abordagem é esta???
Sim, depois combina-se um dia para eu ir lá a casa. Quando eu tiver tempo. De qualquer forma a minha visita lá a casa agora já não teria assim tanto interesse. Ninguém fica muito chateado por isso nunca vir a acontecer...



terça-feira, 1 de julho de 2014

Acabou

Eram 8:40 quando cheguei à enfermaria nesse dia. Fui a primeira.
Sentei-me num dos computadores e fui fazer o meu plano diário dos doentes da nossa tira.
Tínhamos um doente novo. Li os registos da urgência: "emagrecimento progressivo (...) cansaço (...) fumador (...) tosse (...) TC tórax: massa pulmão direito com atingimento do brônquio inferior e médio. Imagens compatíveis com metastases em ambos os pulmões.(...) Internado para investigação de massa pulmonar. Provável neo do pulmão com metastases ipsi e contralaterais".
O meu primeiro pensamento foi: Outro.
Tive cerca de uma dezena de doentes neste estágio internados com cancro do pulmão. Todos eles em estadios avançados na altura do diagnóstico.
Fiz o resto do plano e entretanto chegou o G. Contei-lhe do nosso doente novo.
- Outro???? Mas o que é que se anda a passar com esta gente??
Expliquei-lhe que, tal como os outros, era um grande fumador. Tal como quase todos os outros tinha deixado de fumar há uns dias. É um lugar comum. Quando os doente com queixas pulmonares deixam de fumar assim de um dia para o outro já sei que é porque não vem daí coisa boa. É preciso estarem a começar a desesperar.
Ficou o G. responsável por ele e eu fui à minha vida, ver os meus doentes.
Era cerca de uma da tarde quando uma senhora bateu à porta da sala dos médicos, olhou para mim e disse:
- Olá Joana!!! Então, por aqui agora? Nem acredito que já é médica! Está tudo bem consigo?
Não me lembrava da cara dela. Ela percebeu isso. Cumprimentei de um modo educado, disse que sim, que estava mesmo a acabar o curso, faltavam só umas 3 semanas, que estava tudo bem. Disse-me que era mãe de um amigo do meu irmão, lá do colégio, o MM, o melhor amigo dele da infantil (como é que me havia de lembrar??). Lá fiz o click e percebi com quem estava a falar.
Depois de uns 5 minutos de conversa, de saber como estavam os miúdos e de ela se pôr a par das coisas cá por casa lá perguntei o óbvio:
- Veio visitar quem?
- O meu marido.
(Pensei que não devia ser nosso doente, já que nunca tinha visto a senhora antes por ali).
- Está no primeiro quarto.
Senti um arrepio. Ainda perguntei a medo se era o senhor da segunda cama. Era o da primeira. Chamei o G. para vir dar informações. Podia ter sido eu a dar. Em qualquer outro caso teria sido eu porque já sabia a história do doente de trás para a frente e não tínhamos ainda grandes novidades a acrescentar ao que tinha sido observado na urgência. Ele estranhou que o tivesse chamado e depois fez a conversa do costume. Afinal devia ser o nosso décimo doente assim em 3 meses.
- (...) Tem uma massa no pulmão. Só depois de fazermos mais exames é que podemos saber o que é.
No acto de dar notícias más uma coisa importante é percebermos até onde é que as pessoas querem saber e fraccionarmos aquilo que passamos ao longo das várias conversas.
Combinei com o G que este doente seria sempre da responsabilidade dele e não minha por eu conhecer a família. Ele concordou. Contudo todos os dias fui vê-lo e todos os dias falei com a esposa. Mais à frente acabei por ser eu a dizer o resultado da biópsia (era cancro de facto) e o resultado da TC de crânio. Metástases cerebrais.
Acabámos por lhe dar alta referenciado a consulta de oncologia pneumológica num outro hospital. Afinal já não tínhamos mais nada para lhe oferecer ali. E o senhor só me dizia que queria era ir fazer surf. Outra característica dos doentes oncológicos. Queria aproveitar a vida.
Entretanto acabei o meu estágio e transformei-me em médica a sério. Soube que mais tarde foi reinternado lá no hospital num outro serviço e soube depois pelo facebook do filho que tinha falecido. Expectável. É uma espécie de castigo para os fumadores. Cerca de 10 em três meses de estágio. Todos eles fumadores. Ele já cá não está, mas ficaram a mulher e os filhos. Já são crescidos de facto, mas o antigo colega do meu irmão é da idade dele e eu sei que o meu irmão ainda precisa muito de um pai, apesar dos seus 20 anos. O castigo não deveria ser para eles.
Por isso peço-vos. Pensem bem no que andam a fazer (querida Incógnita, pensei muito em si a escrever este texto). E parem de fumar, antes que seja tarde.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Do último estágio (ou de como a minha cabeça funciona de maneira mais estranha ainda quando durmo)

Hoje sonhei que estava uma esteticista a fazer-me a depilação... no meio de um consultório médico... porque os doentes tinham de continuar a ser vistos e eu não podia sair. E enquanto a minha chefe de equipa fazia a consulta ia-me fazendo perguntas às quais eu respondia enquanto me arrancavam a cera do buço. E ia dizendo: "Olha, isto por acaso até calha mesmo bem porque quando estiveres a estudar para o Harrison vais lembrar-te deste caso e vais ser muito mais fácil de decorares as coisas".
É basicamente este o ponto de situação deste último estágio.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um dia vou ter saudades

Um dia vou ter saudades de que os doentes me tratem por "menina". Isto porque quero acreditar que mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer...

quinta-feira, 27 de março de 2014

Do penúltimo estágio

Chamámos a senhora para entrar para a consulta. Entrou ao telemóvel e ficou à nossa frente de pé.
Dª E. (ao telemóvel): Sim, tem de ligar para lá a dizer que não posso dia 21, tem de marcar para a semana seguinte.
O médico fez-lhe sinal que se sentasse e ela fez-lhe sinal para que esperasse um bocado.
Dª E (ainda ao telemóvel): Não, mas isso da outra vez não deu. Não volto a fazer isso assim! Quero fazer o exame com anestesia!
Médico: Dª E, estou à sua espera para começar a consulta.
A Dª E voltou a fazer sinal para que ele esperasse.
Médico: Dª E, se não desligar o telefone vou chamar outra pessoa, estamos a atrasar as consultas...
Dª E (francamente zangada... afinal o raio do médico estava a interrompê-la): Oh Dr, estou a resolver as coisas com o outro médico!!! Já estou à sua espera há 2 horas, bem que pode esperar por mim um bocado.
E continuou a conversa.
Durante a consulta atendeu o telefone mais duas vezes. Uma à filha e outra a uma amiga.
E o médico teve toda a paciência do mundo.
Muito mais do que eu, que já estava a fervilhar por dentro com tamanha falta de respeito e de educação. Fosse eu a médica responsável e a senhora tinha voltado para a sala de espera até acabar as consultas todas. Aí talvez já tivesse feito todas as chamadas.
E sim, esperou 2 horas pelo médico, de facto. Chegou às 9. Tinha consulta marcada para as 11. Foi atendida às 11:10.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Das histórias que se ouvem lá pelos lados da psiquiatria

Ontem confesso que foi difícil. Ter à minha frente uma rapariga pouco mais velha que eu cujo filho de 6 meses morreu. E ver estampada na cara dela toda aquela dor, aquela tristeza, o sentimento de culpa e a sensação de que a vida deixou de fazer sentido. O olhar vazio e perdido. Podia ter feito tudo diferente. Uma pequena diferença naquele dia poderia fazer com que o bebé estivesse vivo. Se tivesse chegado mais cedo... Se tivesse ligado... Se o bebé tivesse ficado em casa... Mas a vida é mesmo assim. E ninguém  podia adivinhar que aquela tragédia podia acontecer. Acontece. Aconteceu.
Pela primeira vez na minha vida senti as lágrimas a virem-me aos olhos numa consulta, mas aguentei-as e pensei no egoísmo que seria eu estar a chorar e ela não. Para mim foi um dia difícil. Para ela, todos estes dias foram e serão insuportáveis.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Do quarto

Estou a fazer estágio de psiquiatria. Até agora o meu papel mais activo foi mesmo em conseguir passar a minha constipação a TODOS os psiquiatras do serviço. Eu já estou quase boa.
Acho que já sei qual é o estágio em que vou ter pior nota...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Dia dos namorados

Há uns tempos uma amiga minha convidou-me para fazer um programa este fim-de-semana. Disse-lhe que não podia, que era dia dos namorados e que tinha planos. E ela respondeu-me: "não sabia que ligavas assim tanto a essas coisas dos dias dos namorados". 
Não ligo particularmente. Não acho que seja um dia tão diferente de todos os meus outros dias. Mas apesar disso até gosto do dia dos namorados. Sempre gostei, mesmo quando não tinha namorado achava que é um dia importante (embora em alguns anos tenha ficado em casa a pensar que a vida não fazia sentido).
Não é que seja um dia que em teoria devesse ser diferente de todos os outros. Teoricamente todos os dias devem ser especiais, em todos os dias devíamos mimar o namorado e dar presentes e escrever cartões românticos. Mas a verdade é que a vida do dia-a-dia não o permite. E por mais que se tente é impossível que todos os dias sejam exclusivamente dedicados àquela pessoa. É impossível que não haja dias em que se está triste, zangado, implicativo ou chateado. Dias em que se está cansado. É impossível comprarmos presentes todos os dias. Ou todos os dias termos inspiração para escrever coisas fofinhas ou até para dizer. E é por isso que o dia dos namorados é importante. É um dia em que forçosamente tens de pensar no namoro (mais que não seja porque tens a caixa de email cheia de promoções para este dia e todas as montras cheias de corações). E pensar na relação é uma coisa boa. Faz-te valorizar o que de melhor ela tem e perceber onde estão os pontos fracos. E isso dá-te (ou pelo menos a mim dá-me) vontade de dar mais, de ser melhor, de dar mais mimos, mais presentes, mais presença. Todos os dias. Mas se não for possível, pelo menos hoje é garantido.

Feliz dia dos namorados!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sabia que era uma questão de tempo...

O problema de fazeres estágios no hospital da tua área de residência é que, mais cedo ou mais tarde, vais assistir a uma consulta de um senhor que te vende o pão a queixar-se que tem dores aquando da erecção...

sábado, 18 de janeiro de 2014

Atlântida Cine

Hoje tive banco até às 20:00. Como tinha medo de ficar presa no hospital até mais tarde e o filme que queria ver no sitio do costume era às 20:30 achei que era arriscado comprar os bilhetes durante a tarde, como costumamos fazer.
Entretanto lembrei-me de ter lido há uns tempos, a propósito do encerramento do cinema Londres e respectiva conversão em loja chinesa, que existe um cinema antigo em Carcavelos que está quase sempre vazio e costuma passar bons filmes. Fui procurar e encontrei: o Atlântida Cine. Este cinema pertence a um centro comercial também ele muito antigo (e com um ar um bocadinho duvidoso, na minha opinião). Mas quando chegamos ao andar do cinema... É mágico. Desde a bilheteira, que é das antigas, passando por todo o ambiente, o espaço... E depois entramos na sala e as cadeiras são super confortáveis e a tela está sobre um palco, coberta por cortinas que abrem quando o filme vai começar...
Lembrou-me tanto de quando era pequena e ia com a minha avó almoçar e depois íamos ao cinema Londres ver filmes para maiores de 12 anos e eu me sentia tão crescida... Era o nosso programa e nunca vou esquecer os bons momentos que essas salas me proporcionaram. Mas confesso que já há vários anos que lá não ia e portanto contribuí passivamente para o encerramento deste cinema.
Espero poder fazer várias memórias novas no Atlântida Cine. E espero que se mantenha aberto durante muitos e bons anos, para eu poder um dia mostrar aos meus filhos como eram as salas de cinema quando eu era pequenina.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O melhor das consultas de cirurgia

As consultas de cirurgia são chatas. Como grande parte das coisas em cirurgia. Claramente temos aqui uma certa incompatibilidade. E portanto a melhor parte é mesmo as pequenas pérolas que os pacientes dizem.
Ora falam do imbigo (umbigo) que ficou perfeitinho depois da reparação da hérnia, ora falam da órina (urina) que estava infectada com um bicho qualquer. Falam dos problemas de ter osposporose (osteoporose) e daquele exame da cuspia (colonoscopia).
E assim contribuem para que eu tenha um dia muito mais feliz.

Não pensem que é só brincadeira, que até tenho trabalhado. Já dei uns pontinhos e já ajudei sujei as luvas no bloco operatório.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Do terceiro

Começou hoje o terceiro estágio - cirurgia geral.
Odeio cirurgia, odeio o bloco operatório e regra geral nem sou grande fã de cirurgiões. Talvez também nao tenha tido a sorte de ter uma boa amostra até ao momento.
Enquanto estacionava o carro pensei: "se eu partisse um braço escapava-me do bloco" e pareceu-me muito boa ideia na altura. Depois pus os pezinhos na terra, respirei fundo e lá fui eu. Vão ser seis semanas muito penosas.