quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A uma semana

Quando tinha 17 anos e não consegui entrar em medicina vi-me forçada a abrir horizontes. Não queria ficar novamente com uma média de 18 pendurada sem vaga para mim. E a hipótese que me pareceu mais lógica foi Espanha. Era aqui ao lado e entre ir para Badajoz ou para o Minho ou Madeira a diferença não era muita.
Inscrevi-me num curso de Espanhol, tratei dos processos de candidatura, de todas as equivalências e das traduções oficiais dos documentos.
Depois soube de uma outra hipótese. Uma universidade privada em Espanha também, a Universidade de Navarra. A distância era maior (implicava ir de avião e só faziam um voo para lá por semana, o que significava que não poderia vir cá com a frequência que queria). Falei com os meus pais e eles disseram-me que devia tentar. Mas havia um problema: para Navarra as minhas notas de cá só não chegavam. Teria de fazer um exame de admissão na universidade. O exame era dali a um mês, englobava as matérias de química, biologia e espanhol do 12º ano. Os programas eram diferentes dos de cá, mas mesmo que fossem iguais não faria grande diferença porque a minha disciplina opcional de 12º tinha sido psicologia.
Achei que a hipótese de conseguir era remota (estaria a competir com pessoas de língua nativa espanhola, dado que o exame era igual para todos, e que efectivamente tinham estudado aquelas disciplinas a sério). Mas tinha de tentar. Não queria cair no erro de pôr novamente os ovos todos no mesmo saco.
Pedi os livros espanhóis emprestados a uma amiga mais velha que tinha tentado fazer os exames uns anos antes. E entre pedir, encontrar-me com ela e tratar de todas as papeladas que precisava para esta outra Universidade lá se perdeu uma semana. O programa tinha mudado ligeiramente desde que a S. tinha tentado fazer os exames de Espanha, mas achei que se soubesse aquilo já não era nada mau. Uma semana para biologia, duas para química. O Espanhol estudava-se enquanto se lia química e biologia em espanhol. Não dava para mais. Ainda li os dois últimos capítulos de química no avião.
No dia do exame éramos centenas. Não haveria vagas para todos. Talvez para um em cada dez. Não mais do que isso. E era assustador olhar à minha volta e ver tantos "adversários". Entrei na sala e agora que penso nisso não faço ideia de quanto tempo duraram os exames. Fi-los com a certeza de que havia coisas que tinha lido e das quais não me recordava. E quando cheguei ao exame de Espanhol tive de me conter para não me desmanchar a rir. Como é que eu podia sequer pensar em competir com alunos espanhóis numa prova de língua???
Semanas depois, o meu pai veio ter comigo de lágrimas nos olhos, tão feliz! Tinha ido ver ao site da universidade e as colocações tinham sido lançadas. Eu tinha entrado.
Com 18 anos consegui engolir os nervos, estudar até ao último segundo e fazer um exame para o qual não me sentia devidamente preparada. E no final até correu bem. Hoje, 6 anos e meio depois de ter escolhido ficar em Portugal e a uma semana daquele que será, segundo dizem, o exame mais difícil de toda a minha carreira médica, só espero conseguir fazer o mesmo.