Estava eu a estudar (qualquer post que eu escreva até Novembro poderá ter este início), quando recebi uma mensagem da irmã de um amigo meu.
- Olá Princesa! Estás boa?
Estranhei. Basicamente falamos 1 vez por ano, nos aniversários do I. A rapariga é simpática e efectivamente até já nos cruzámos no hospital, ela como doente, e por ser irmã do I. acabei por ir lá visitá-la algumas vezes (dado que tinha doentes meus no quarto ao lado e era até quase mal educado não ir lá).
Respondi que sim, que estava tudo bem, e perguntei-lhe como estava.
- Tudo óptimo! Já sei que somos vizinhas agora! Estou a morar ali ao pé daquele-sítio-que-é-mesmo-ao-pé-da-minha-casa-e-que-não-interessa-agora-para-a-história.
Disse-lhe que já sabia, que o I. já me tinha dito, e perguntei-lhe se estava a gostar da casa nova.
- Muito mesmo! A ver se vamos beber um refresco um dia destes. E assim ficas a conhecer a nossa casa:)
Estranhei ainda mais. Conhecer a casa? Mas porquê? Não conheço a casa do I. sequer... Comecei logo a pensar no tempo de estudo que ia perder. Ir a casa dela... Para quê? A parte do refresco ainda podia ser assim rapidinho. À hora do lanche iamos ao café-que-há-ali-ao-pé-da-casa-dela e tratava-se disso. Agora... Ir a casa? Conhecer a casa? Ficar no sofá à conversa sobre temas banais (porque é o que se pode falar com uma pessoa com quem estás 1 vez por ano num jantar) enquanto podia (e devia) estar a estudar?
Eu faço as minhas pausas, claro. Ainda agora estou a fazer uma para escrever este post, mas gosto de as fazer com actividades que me dêem efectivamente algum prazer. Ir a casa das pessoas de quem realmente gosto.
- Linda, eu sei que até parece mal, mas quero fazer-te um pedido, podes dizer não na boa, não levo a mal de todo... Podes passar um atestado ao meu marido para tirar a carta de mota? Temos o impresso.
Sorri. Menos mau. Assim custa-me menos nunca marcar essa visita à casa nova. Não. Não passo. Claro que não passo. A começar, porque não posso. Não tenho autonomia para passar atestados, receitas ou o que quer que seja durante 2 anos. E depois, também não me apetece. É preciso ter cá uma lata...
Quem me conhece sabe que ajudo sempre no que posso, que estou disponível para ajudar com tudo o que esteja dentro das minhas capacidades e limitações.
Agora... que raio de abordagem é esta???
Sim, depois combina-se um dia para eu ir lá a casa. Quando eu tiver tempo. De qualquer forma a minha visita lá a casa agora já não teria assim tanto interesse. Ninguém fica muito chateado por isso nunca vir a acontecer...
quinta-feira, 31 de julho de 2014
terça-feira, 1 de julho de 2014
Acabou
Eram 8:40 quando cheguei à enfermaria nesse dia. Fui a primeira.
Sentei-me num dos computadores e fui fazer o meu plano diário dos doentes da nossa tira.
Tínhamos um doente novo. Li os registos da urgência: "emagrecimento progressivo (...) cansaço (...) fumador (...) tosse (...) TC tórax: massa pulmão direito com atingimento do brônquio inferior e médio. Imagens compatíveis com metastases em ambos os pulmões.(...) Internado para investigação de massa pulmonar. Provável neo do pulmão com metastases ipsi e contralaterais".
O meu primeiro pensamento foi: Outro.
Tive cerca de uma dezena de doentes neste estágio internados com cancro do pulmão. Todos eles em estadios avançados na altura do diagnóstico.
Fiz o resto do plano e entretanto chegou o G. Contei-lhe do nosso doente novo.
- Outro???? Mas o que é que se anda a passar com esta gente??
Expliquei-lhe que, tal como os outros, era um grande fumador. Tal como quase todos os outros tinha deixado de fumar há uns dias. É um lugar comum. Quando os doente com queixas pulmonares deixam de fumar assim de um dia para o outro já sei que é porque não vem daí coisa boa. É preciso estarem a começar a desesperar.
Ficou o G. responsável por ele e eu fui à minha vida, ver os meus doentes.
Era cerca de uma da tarde quando uma senhora bateu à porta da sala dos médicos, olhou para mim e disse:
- Olá Joana!!! Então, por aqui agora? Nem acredito que já é médica! Está tudo bem consigo?
Não me lembrava da cara dela. Ela percebeu isso. Cumprimentei de um modo educado, disse que sim, que estava mesmo a acabar o curso, faltavam só umas 3 semanas, que estava tudo bem. Disse-me que era mãe de um amigo do meu irmão, lá do colégio, o MM, o melhor amigo dele da infantil (como é que me havia de lembrar??). Lá fiz o click e percebi com quem estava a falar.
Depois de uns 5 minutos de conversa, de saber como estavam os miúdos e de ela se pôr a par das coisas cá por casa lá perguntei o óbvio:
- Veio visitar quem?
- O meu marido.
(Pensei que não devia ser nosso doente, já que nunca tinha visto a senhora antes por ali).
- Está no primeiro quarto.
Senti um arrepio. Ainda perguntei a medo se era o senhor da segunda cama. Era o da primeira. Chamei o G. para vir dar informações. Podia ter sido eu a dar. Em qualquer outro caso teria sido eu porque já sabia a história do doente de trás para a frente e não tínhamos ainda grandes novidades a acrescentar ao que tinha sido observado na urgência. Ele estranhou que o tivesse chamado e depois fez a conversa do costume. Afinal devia ser o nosso décimo doente assim em 3 meses.
- (...) Tem uma massa no pulmão. Só depois de fazermos mais exames é que podemos saber o que é.
No acto de dar notícias más uma coisa importante é percebermos até onde é que as pessoas querem saber e fraccionarmos aquilo que passamos ao longo das várias conversas.
Combinei com o G que este doente seria sempre da responsabilidade dele e não minha por eu conhecer a família. Ele concordou. Contudo todos os dias fui vê-lo e todos os dias falei com a esposa. Mais à frente acabei por ser eu a dizer o resultado da biópsia (era cancro de facto) e o resultado da TC de crânio. Metástases cerebrais.
Acabámos por lhe dar alta referenciado a consulta de oncologia pneumológica num outro hospital. Afinal já não tínhamos mais nada para lhe oferecer ali. E o senhor só me dizia que queria era ir fazer surf. Outra característica dos doentes oncológicos. Queria aproveitar a vida.
Entretanto acabei o meu estágio e transformei-me em médica a sério. Soube que mais tarde foi reinternado lá no hospital num outro serviço e soube depois pelo facebook do filho que tinha falecido. Expectável. É uma espécie de castigo para os fumadores. Cerca de 10 em três meses de estágio. Todos eles fumadores. Ele já cá não está, mas ficaram a mulher e os filhos. Já são crescidos de facto, mas o antigo colega do meu irmão é da idade dele e eu sei que o meu irmão ainda precisa muito de um pai, apesar dos seus 20 anos. O castigo não deveria ser para eles.
Por isso peço-vos. Pensem bem no que andam a fazer (querida Incógnita, pensei muito em si a escrever este texto). E parem de fumar, antes que seja tarde.
Sentei-me num dos computadores e fui fazer o meu plano diário dos doentes da nossa tira.
Tínhamos um doente novo. Li os registos da urgência: "emagrecimento progressivo (...) cansaço (...) fumador (...) tosse (...) TC tórax: massa pulmão direito com atingimento do brônquio inferior e médio. Imagens compatíveis com metastases em ambos os pulmões.(...) Internado para investigação de massa pulmonar. Provável neo do pulmão com metastases ipsi e contralaterais".
O meu primeiro pensamento foi: Outro.
Tive cerca de uma dezena de doentes neste estágio internados com cancro do pulmão. Todos eles em estadios avançados na altura do diagnóstico.
Fiz o resto do plano e entretanto chegou o G. Contei-lhe do nosso doente novo.
- Outro???? Mas o que é que se anda a passar com esta gente??
Expliquei-lhe que, tal como os outros, era um grande fumador. Tal como quase todos os outros tinha deixado de fumar há uns dias. É um lugar comum. Quando os doente com queixas pulmonares deixam de fumar assim de um dia para o outro já sei que é porque não vem daí coisa boa. É preciso estarem a começar a desesperar.
Ficou o G. responsável por ele e eu fui à minha vida, ver os meus doentes.
Era cerca de uma da tarde quando uma senhora bateu à porta da sala dos médicos, olhou para mim e disse:
- Olá Joana!!! Então, por aqui agora? Nem acredito que já é médica! Está tudo bem consigo?
Não me lembrava da cara dela. Ela percebeu isso. Cumprimentei de um modo educado, disse que sim, que estava mesmo a acabar o curso, faltavam só umas 3 semanas, que estava tudo bem. Disse-me que era mãe de um amigo do meu irmão, lá do colégio, o MM, o melhor amigo dele da infantil (como é que me havia de lembrar??). Lá fiz o click e percebi com quem estava a falar.
Depois de uns 5 minutos de conversa, de saber como estavam os miúdos e de ela se pôr a par das coisas cá por casa lá perguntei o óbvio:
- Veio visitar quem?
- O meu marido.
(Pensei que não devia ser nosso doente, já que nunca tinha visto a senhora antes por ali).
- Está no primeiro quarto.
Senti um arrepio. Ainda perguntei a medo se era o senhor da segunda cama. Era o da primeira. Chamei o G. para vir dar informações. Podia ter sido eu a dar. Em qualquer outro caso teria sido eu porque já sabia a história do doente de trás para a frente e não tínhamos ainda grandes novidades a acrescentar ao que tinha sido observado na urgência. Ele estranhou que o tivesse chamado e depois fez a conversa do costume. Afinal devia ser o nosso décimo doente assim em 3 meses.
- (...) Tem uma massa no pulmão. Só depois de fazermos mais exames é que podemos saber o que é.
No acto de dar notícias más uma coisa importante é percebermos até onde é que as pessoas querem saber e fraccionarmos aquilo que passamos ao longo das várias conversas.
Combinei com o G que este doente seria sempre da responsabilidade dele e não minha por eu conhecer a família. Ele concordou. Contudo todos os dias fui vê-lo e todos os dias falei com a esposa. Mais à frente acabei por ser eu a dizer o resultado da biópsia (era cancro de facto) e o resultado da TC de crânio. Metástases cerebrais.
Acabámos por lhe dar alta referenciado a consulta de oncologia pneumológica num outro hospital. Afinal já não tínhamos mais nada para lhe oferecer ali. E o senhor só me dizia que queria era ir fazer surf. Outra característica dos doentes oncológicos. Queria aproveitar a vida.
Entretanto acabei o meu estágio e transformei-me em médica a sério. Soube que mais tarde foi reinternado lá no hospital num outro serviço e soube depois pelo facebook do filho que tinha falecido. Expectável. É uma espécie de castigo para os fumadores. Cerca de 10 em três meses de estágio. Todos eles fumadores. Ele já cá não está, mas ficaram a mulher e os filhos. Já são crescidos de facto, mas o antigo colega do meu irmão é da idade dele e eu sei que o meu irmão ainda precisa muito de um pai, apesar dos seus 20 anos. O castigo não deveria ser para eles.
Por isso peço-vos. Pensem bem no que andam a fazer (querida Incógnita, pensei muito em si a escrever este texto). E parem de fumar, antes que seja tarde.
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